Explore o debate sobre inteligência artificial e direitos autorais nos Estados Unidos. Saiba por que a autoria humana e a contribuição significativa são essenciais para a proteção de obras criadas por IA, com base em decisões recentes do U.S. Copyright Office e casos notórios.
Em um mundo cada vez mais moldado pela inteligência artificial, a definição de autoria e criatividade ganha contornos complexos e, por vezes, surpreendentes. Aquela faísca original que impulsiona um artista, um escritor ou um músico a criar algo novo – como ela se manifesta quando a ferramenta usada é uma máquina capaz de gerar conteúdo em segundos? Este é o cerne de um debate acalorado, especialmente no campo dos direitos autorais, onde a linha entre a assistência tecnológica e a criação puramente humana está sendo traçada, caso a caso.
Desde o início de 2025, os Estados Unidos têm se posicionado na vanguarda dessa discussão, principalmente através de decisões e relatórios do U.S. Copyright Office (órgão federal responsável por registrar direitos autorais) e de tribunais. A questão central gira em torno da possibilidade de conceder proteção autoral a saídas textuais, visuais e sonoras geradas com o auxílio ou integralmente pela inteligência artificial generativa. A grande novidade que reacendeu o debate foi a decisão de conceder copyright para uma imagem criada com IA, algo até então raro e com precedentes negativos. Este cenário jurídico em evolução nos força a refletir sobre o papel insubstituível da autoria humana no processo criativo.
A Batalha da Inteligência Artificial nos Tribunais Americanos
O U.S. Copyright Office tem atuado como um laboratório jurídico nesse campo, analisando diversos requerimentos de proteção para criações auxiliadas por sistemas de inteligência artificial. Uma conclusão preliminar, que vem sendo consolidada, é clara: se a inteligência artificial gerou o resultado final sem participação significativa do requerente, a autoria humana deve ser excluída. Essa compreensão foi formalizada em um relatório do U.S. Copyright Office, divulgado em janeiro de 2025, intitulado “Copyright and Artificial Intelligence”.
O relatório e as decisões administrativas e judiciais subsequentes indicam que a exigência de uma contribuição humana substancial para o resultado final é a métrica adotada no ambiente do copyright norte-americano. Essa abordagem busca diferenciar a ferramenta (a IA) do criador (o humano), atribuindo a proteção legal somente quando a expressão criativa deriva fundamentalmente da intervenção humana, mesmo que utilizando recursos tecnológicos avançados.
Quando a Autoria é Questionada: Casos de Negativa de Proteção
Dois casos notórios ilustram a postura inicial mais restritiva do U.S. Copyright Office. O primeiro envolveu Stephen Thaler e a imagem “A Recent Entrance to Paradise”. Em 2018, Thaler solicitou a proteção, argumentando que a imagem foi criada autonomamente por um algoritmo, devendo a inteligência artificial ser nomeada como autora, e os direitos transferidos a ele como proprietário da máquina. Thaler é conhecido por solicitações controversas, como pedidos de patente em nome de uma IA chamada DABUS, que foram negados globalmente.
Em 2023, o U.S. Copyright Office rejeitou o pedido de Thaler, reafirmando que apenas obras com autores humanos podem ser protegidas por copyright. Thaler recorreu ao Judiciário, e a United States District Court for the District of Columbia manteve a decisão administrativa em 2024. O juiz ressaltou que, embora o copyright se adapte a novas tecnologias, a criatividade humana é a “condição sine qua non” (condição essencial) para a registrabilidade. Para reforçar, o juiz mencionou o caso da “selfie do macaco”, onde se decidiu que um macaco não detém direitos autorais, por não ser humano, evidenciando a primazia da autoria humana.
Outra derrota no U.S. Copyright Office, pelos mesmos fundamentos, ocorreu em 2022, com Jason Allen e sua criação “Théâtre D’opéra Spatial”. Allen utilizou a inteligência artificial generativa Midjourney, inserindo prompts e realizando pós-processamento com ferramentas como Adobe Photoshop e Gigapixel AI. A imagem ganhou destaque ao vencer uma competição de arte. No entanto, o U.S. Copyright Office negou o pedido de proteção.
Os fundamentos da negativa foram dois. Primeiro, a imagem inicial gerada pelo Midjourney foi considerada resultado de um processo autônomo da IA, que interpretou os prompts, ao passo que a criatividade humana deve estar presente na criação final, não apenas nas instruções iniciais. Segundo, selecionar, ajustar e refinar os resultados da inteligência artificial não confere automaticamente proteção, a menos que a contribuição humana seja significativa e separável do que foi gerado pela máquina. A edição pós-geração, embora presente, não foi considerada suficiente para caracterizar uma obra original com autoria humana para fins de copyright.
O Brilho da Criatividade Humana: A Vitória do ‘Pedaço de Queijo’
Em meio às negativas, uma decisão em janeiro de 2025 representou a primeira vitória nos Estados Unidos para uma imagem gerada com inteligência artificial generativa. A obra em questão, intitulada “A Single Piece of American Cheese”, obteve proteção autoral em favor de Kent Keirsey, CEO de uma plataforma de criação de IA chamada Invoke. A justificativa para a concessão foi o papel fundamental de Keirsey no processo criativo que resultou na imagem final.
Keirsey demonstrou ao U.S. Copyright Office que seu método de criação envolveu mais do que apenas prompts iniciais. Ele gerou uma imagem com a IA, mas em seguida, selecionou regiões específicas dessa imagem e utilizou novos prompts para gerar novos elementos com a inteligência artificial nessas áreas delimitadas. Este processo foi repetido mais de 35 vezes, com Keirsey adicionando e refinando elementos para construir a imagem final.
Essa demonstração convenceu o U.S. Copyright Office de que houve seleção, coordenação e organização substanciais por parte de Keirsey sobre o material gerado pela inteligência artificial. O resultado foi considerado uma colagem ou composição que expressava criatividade humana suficiente para justificar a concessão do copyright. Diferentemente dos casos anteriores, a intervenção humana não foi apenas na instrução inicial ou em ajustes menores, mas sim em um processo iterativo de construção e arranjo criativo, utilizando a IA como ferramenta para gerar partes de um todo maior concebido e executado pelo humano.
Diretrizes do U.S. Copyright Office e o Futuro da Proteção de Obras Criadas por IA
O relatório “Copyright and Artificial Intelligence”, publicado pelo U.S. Copyright Office em janeiro de 2025, solidifica a compreensão que emerge desses casos. O documento aborda a criação de diversos tipos de saídas (textuais, visuais, sonoras) com a assistência ou integralmente feitas pela inteligência artificial generativa. A diretriz principal estabelece que a concessão de proteção por copyright a essas saídas dependerá diretamente da natureza e da extensão da contribuição de um humano, e se essa contribuição se qualifica como autoria humana de elementos expressivos contidos na saída final.
Isso significa que o foco da análise do U.S. Copyright Office estará em identificar e avaliar a parcela da obra que resulta genuinamente da concepção e execução criativa humana, mesmo que incorporada a elementos gerados pela máquina. Simplesmente usar a IA como um gerador autônomo, ou fazer ajustes superficiais, provavelmente não será suficiente. Contudo, processos que envolvam curadoria intensa, modificação substancial, seleção e arranjo criativo dos elementos gerados pela IA, de forma a criar uma obra original com uma expressão humana discernível, tendem a ser elegíveis para proteção. Este relatório serve como um guia importante para criadores e o mercado, indicando os tipos de interação com a inteligência artificial que podem resultar em obras passíveis de copyright nos Estados Unidos.
Conclusão
Em suma, as decisões e o relatório do U.S. Copyright Office nos Estados Unidos traçam um caminho claro: a proteção de obras criadas por IA sob as leis americanas está intrinsecamente ligada à presença e à significância da autoria humana. Não basta apertar botões ou inserir comandos simples; é a curadoria, a edição substantiva, a seleção e a organização criativa dos elementos gerados pela máquina que parecem ser o diferencial para conferir direitos autorais. À medida que a inteligência artificial continua a evoluir, expandindo as fronteiras da criação, o debate sobre quem detém os direitos e o que constitui ‘obra original’ certamente persistirá, desafiando nossas concepções tradicionais de arte e autoria. O que você acha sobre esse tema? Comente abaixo!
Pontos Principais
- As leis de copyright nos Estados Unidos exigem autoria humana para a concessão de proteção.
- Obras geradas integralmente por sistemas de inteligência artificial, sem contribuição humana significativa, geralmente não são elegíveis para copyright.
- A contribuição humana em obras auxiliadas por IA precisa ser substancial e discernível para que a proteção seja concedida.
- Simplesmente inserir prompts ou realizar ajustes superficiais em saídas de IA pode não ser suficiente para caracterizar autoria humana protegível.
- Processos criativos que envolvem seleção, arranjo, edição e organização significativa dos elementos gerados pela inteligência artificial, como em uma colagem, podem ser considerados obras com autoria humana e elegíveis para proteção.
- O relatório de janeiro de 2025 do U.S. Copyright Office reforça que a elegibilidade depende da natureza e extensão da contribuição humana aos elementos expressivos da obra.
A referência original que inspirou este notícia pode ser encontrada em https://www.conjur.com.br/2025-jun-26/entre-prompts-e-direitos-autorais-a-criatividade-humana-faz-a-diferenca/, e foi produzida com o apoio de inteligência artificial.